Por Italo Machado
05/06/2016 - Fortaleza
Um dia o tempo diminuiu o passo, entrou pela janela e conversou comigo. Ele era um velhinho de jeito engraçado, com as canelas tão finas que quando andava parecia estar dançando. De vez em quando o vento batia e ele saía rodopiando. Mas isso não impediu que ele me dissesse:
“Cuidado com o que pensa, a gente volta, mas o tempo não”.
Assim ele riu como todo velho ri e deixou o vento lhe levar de vez. E o tempo passou para muita gente. Mas o tempo não passou para mim.
Quando o relógio marcasse Tarde é que eu iria acreditar que o tempo passou. Até então continuava sendo eu mesmo, de mesma idade, de mesmo cabelo bagunçado, sorriso e jeito torto de pensar. As costas doíam, mas eu não queria acreditar que já era hora de pensar num novo plano de fuga.
“Infalível. Incontestável…”.
“Não temos, infelizmente”.
“Inacreditável”.
Planos de fuga nunca são feitos com o real objetivo: de fuga; com a melhor das intenções, certamente, mas acontece que todo plano é uma procrastinação. “A fuga não pode ser hoje?”
“Não”.
“Oh…”.
Queria dois Guias de Fuga. Pedi por favor. A moça repetiu que não tinha, e me deu por vencido, virando as costas, e depois quando já saía a ouvi depois cochichar para outra pessoa que não tinha era paciência de procurar. Foi preciso ignorar a raiva.
Foi preciso ignorar muita coisa para tomar jeito na vida. O caminho de açúcar, aquela velha estrada de tijolos amarelos, já tinha desaparecido, já era só uma lenda, e muitos diziam que sempre fora uma. Mas eu sabia que era bem real. Ouvi dizer, uma senhora que regava as flores todos os dias dos canteiros ali perto, os que antes eram extensos e definitivamente bem mais coloridos, me contou com certa melancolia.
“Desapareceu quando se espalhou o boato que era feito de ouro. Logo se foi. Você sabe como funcionam as coisas…”.
Essa foi a gota d’água, foi o brilho de verdade que não mais me parecia familiar, que realizar grandes feitos não era tão simples assim. Quanto eu estivera distraído?
Daí em diante a memória me falhava mais que o normal. A infância era um passado distante, mas não tão distante quanto deveria ser. Crescer não tinha tempo, apesar de tudo que eu vivia no momento era ordenado por isso.
“Eu podia chamar isso”, eu disse à garota de cabelos ruivos no meu quarto, “de Terra do Nunca, sabe, aquela do Peter Pan…”.
Parecia ter falado só para as quinquilharias que flutuavam no lugar. A ruiva respondeu:
“Você podia tomar jeito”.
Não, obrigado. Aquilo era exigir demais. Não deu dois dias para que eu a enjoasse e expulsasse de casa. As quinquilharias insistiram.
“Certo então”, eu disse a elas, botando uma calça e uma camisa de marca. “Eu realmente vou ter que fazer isso. Sabe, não é todo dia que eu consigo essa coragem. Essa paciência de ser que nem os outros. Quê? Que vocês estão olhando? Isso não tem nada a ver com o que ela disse… Bem, talvez tenha. Mas eu nunca vou deixar vocês. Não vou tomar jeito, não o jeito deles. Vou fingir um pouquinho".
Elas deixaram de flutuar por um instante, caíram até quase encostar ao chão. Peguei todos eles: os livros, os toca-fitas, as páginas de rabiscos, o trenzinho de madeira e os jogos de tabuleiro.
“Ora, parem com isso. Preciso de dinheiro!”.
O dinheiro foi o suficiente para aguentar as demandas locais. O local era no início muito pequeno, a área era cinzenta, árvores colocadas metodicamente, nada de tão natural. Só que um dia eu vi isso noutro lugar, um inesperado. Depois, noutro, eu ri. Porque isso tudo não me deixou perplexo, talvez estava sob o efeito do fingimento. Ora, tudo aquilo era bem normal acontecer, uma vez em casa, eu poderia respirar aliviado.
Isso não aconteceu porque, bem… porque tudo corria muito rápido. Vestir um terno exigia esforço, e quase não havia tempo. Mal chegava em casa para dormir, e já era hora de correr ao som agoniado do relógio.
“Eu já ouvi”.
Acabavam-se os sete dias, no último era convidado para a diversão. Neste eu via um homem de atlético blazer prateado, era simpático, mas o senso de humor muito reservado ao absolutismo: “Vai ser divertido”.
“A gente te mostra a cidade”.
“Mas eu não sou de fora…”, rebati.
“Não?”, caras de espanto e então dentes sendo descortinados forçadamente.
[Continua]
Os textos assinados e os pensamento expressados neles são de inteira responsabilidade de seus autores e não necessariamente representam a opinião do blog Letras Na UECE.
"Essa gente deve saber quem somos e contar que estamos aqui!". Como o Pequeno Nemo de 1905, tenho medo que descubram quem eu sou ou onde vivo. Amante da fantasia, de tudo aquilo que conta o real de forma improvável. Cinéfilo e contista.
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